A vida me deu "nãos" que viraram meus melhores "sins"
Nem tudo o que eu pedi aconteceu, e ainda bem!!!
Existe uma sabedoria escondida no fracasso dos nossos desejos. Uma verdade que só aparece quando olhamos para trás e percebemos que, se tivéssemos recebido tudo o que pedimos, estaríamos irreconhecíveis, e talvez irremediavelmente perdidos.
Vejo que alguns dos meus desejos são como faróis quebrados - iluminam com fervor o caminho errado, me chamando para abismos que pareciam promessas.
Seguimos o brilho dessa luz e famosa achando que ele vai nos salvar dê alguma forma, sem perceber que, às vezes, o que nos guia é apenas o reflexo distorcido da nossa própria carência. Quanto mais corremos em direção a esses clarões, mais fundo afundamos em terrenos pantanosos - lugares que pareciam sólidos quando vistos de longe, mas que não poderiam sustentar o peso da realidade.
Agora entendo um pouco mais do que ontem: nem tudo que brilha deve ser seguido. Algumas luzes não existem para nos guiar, mas justamente para nos ensinar a andar no escuro - até que nossos olhos se acostumem a enxergar o que realmente importa.
O eu de ontem não sabia o que o eu de agora sabe: que a gente não pede o que merece, pede o que acha que merece. E existe uma diferença abissal entre os dois.
Eu suplicava por amor e recebia solidão, só para descobrir que a solidão me ensinou a reconhecer o amor verdadeiro quando ele chegou. Eu mendigava aprovação e ganhava indiferença, só para entender que a indiferença alheia me libertou da necessidade de agradar. Eu implorava por portas abertas e encontrava muros, só para perceber que os muros me ensinaram a escalar, a desviar, a criar meus próprios caminhos.
Percebo uma ironia cruel e bela no fato de que muitas das minhas maiores bênçãos vieram disfarçadas de rejeição. Se tivessem me dado o que eu queria na hora que eu pedi, eu teria afundado na mediocridade do imediato, na ilusão do confortável. Em vez disso, fui forçada a esperar, a amadurecer, a entender que nem tudo que reluz é ouro — e que, às vezes, o que reluz é apenas um espelho mostrando a minha própria confusão.
Hoje, olhando para trás, vejo os rastros de uma trilha que eu mesmo tentei sabotar sem perceber. Quantas vezes acreditei saber exatamente o que queria, suplicando por respostas que, se tivessem vindo, teriam me afogado em arrependimento? A vida, com uma sabedoria cruel e gentil, me deu silêncio onde eu pedia sim e portas fechadas onde eu esperava abraços.
Tem uma certa dor peculiar em não ser ouvida, até o momento em que você entende que estava pedindo a própria ruína. Lembro das noites em que me debati contra o não, contra o vazio que seguia cada oração não atendida. Achava que o universo estava me negando felicidade, quando, na verdade, estava me poupando de versões distorcidas dela.
Alguns desses desejos são armadilhas disfarçadas de esperança. Algumas pessoas que eu quis tanto manter na minha vida eram empecilhos vestidos de “amor”. Alguns caminhos que pareciam certos levavam a abismos que eu não enxergava, e eu, cega de vontade, maldizia a escuridão que me protegia.
O não me força a crescer onde eu preferiria ter ficado pequena, a seguir onde eu queria parar, a largar o que eu jurava que precisava carregar para sempre.
E agora, quando um desejo meu esbarra no silêncio do mundo, respiro fundo. Talvez eu esteja pedindo errado de novo. Talvez o universo, mais uma vez, esteja me poupando de mim mesmo.
A sabedoria dos desejos não realizados está justamente nisso: eles nos poupam de versões nossas que não deveriam existir. Nos protegem de futuros paralelos onde estaríamos inteiros por fora e esvaziados por dentro. Nos forçam a crescer na direção contrária àquela que jurávamos ser a certa - e que, no fim, era apenas a mais fácil, a mais óbvia, a mais perigosa.
O tempo revela o que a ansiedade esconde: que existe uma inteligência maior no "ainda não", no "nunca", no "esqueça". Que cada não recebido não foi um fim, mas um desvio necessário - a vida nos empurrando para fora da linha do trem que estava prestes a descarrilar.
Houve ‘nãos’ que eu jurei não sobreviver, gritos do universo que ecoavam como fracasso. Hoje, ao olhar pra trás, vejo que esses mesmos “nãos” foram meus maiores professores. Alguns me doeram com certa crueldade, outros me transformaram, mas todos, sem exceção, me esculpiram. Não me deram o que eu pedia: deram o que eu precisava aprender. No silêncio dessas ausências, encontrei respostas que nenhum “sim” teria me entregado.
O vazio que eles deixaram foi o molde exato para que algo maior - algo que eu nem sabia que precisava - pudesse finalmente nascer.
E o mais dolorosamente lindo de tudo? Que eu só consigo agradecer pelo que não tive depois de entender o que ganhei em troca. A vida não me deu o que eu pedia, me deu o que eu precisava. E no fim, isso fez toda a diferença.
Agora, quando a saudade bate à porta trazendo lembranças do que “poderia ter sido”, sorrio com um respeito solene pelo que nunca se tornou. Percebo que os fios invisíveis que me puxaram para trás não eram correntes, mas cordas salva-vidas.
Uma beleza perversa paira na forma como o tempo desfaz nossos equívocos com mãos de cirurgião: corta o que infecta, sutura o que sangra e, no lugar do desejo amputado, deixa cicatrizes que doem menos do que a ilusão teria doído.
Talvez a maior prova de amor do universo seja seu silêncio diante de certos pedidos. Ele nos nega o veneno que insistimos em chamar de remédio, esconde o caminho que julgamos perfeito, apaga as luzes falsas que nos cegavam - não por crueldade, mas porque enxerga além do nosso grito. Enquanto nós berramos por migalhas, ele prepara banquetes que nossas mãos pequenas ainda não poderiam segurar.
E o mais irônico? Que um dia, sem perceber, você para de chorar pelo que não teve e começa a tremer diante do que poderia ter perdido se tivesse sido atendido. O corpo inteiro estremece ao imaginar a versão alternativa de si mesmo - aquela que recebeu todos os “sim” e acabou definhando em jardins sem sol, abraçando espinhos que jurava serem flores.
Por isso hoje, quando o mundo me nega algo, eu tento parar e escutar. Quando um sonho desmorona, tento observer. Quando um desejo se esvai, eu respiro mais fundo. Porque aprendi que o vazio é sempre temporário, muitas vezes é só o universo recolhendo as peças erradas do nosso tabuleiro pra dar espaço ao movimento que realmente importa.
Com um misto de gratidão e espanto, eu afirmo que ainda bem que alguns "nãos" foram mais sábios do que os meus "sins". Ainda bem que o destino me protegeu da minha própria miopia emocional. Ainda bem que a vida não me deu tudo o que pedi. Ainda bem que o não existiu. Porque o não me ensina que nem tudo o que dói é ruim, e nem tudo o que alivia é bom.
Hoje eu consigo olhar pra trás e ver com un pouco mais de clareza: muitos dos meus desejos negados foram desvios que me tiraram de um precipício. Cada esperança adiada foi um presente que eu não teria sabido receber na época.
A vida não erra em seus “nãos”, nós é que erramos em não ouvi-los.
E quando finalmente compreendemos isso, descobrimos que estávamos sendo amados o tempo todo. Justamente nos momentos em que nos sentíamos mais abandonados.
Muitos dos melhores presentes que recebemos da vida são aqueles que ela nos entrega sem explicação, as vezes embrulhados no papel áspero da decepção, amarrados com a fita de seda da incerteza. Chegam quando menos esperamos, muitas vezes disfarçados de perdas, adiamentos ou caminhos fechados.
Só mais tarde, quando as mãos já não tremem de ansiedade e os olhos se habituam à luz da maturidade, conseguimos desatar os nós e entender: aquilo que parecia um “não” era, na verdade, um “sim” escrito em um idioma que ainda não sabíamos ler.
O presente nunca esteve ausente, apenas nossa compreensão do que era presente ainda não havia nascido.
Que leitura poderosa. Estava pensando sobre isso esses dias, pois faz 1 ano que um relacionamento fracassado terminou, mas na época eu fiquei extremamente mal e pedindo que não fosse verdade. Hoje eu agradeço imensamente ao universo ter tirado da minha vida algo que eu não conseguia me desfazer, mesmo vendo que não era pra mim.
Finalizando o livro mulheres que correm com os lobos, ela menciona justamente isso: por um tempo estamos “sonambulas”, seja pela cultura ou pela criação, e acabamos por deixar o “diabo” entrar, acreditando que o que reluz é ouro. Mas nem sempre é assim.
Obrigada por compartilhar seu ponto de vista!
Seus textos sempre são especiais 🩷